Depoimento | Meire Ramos

Meire Ramos


Cerimônia de batismo | 24 e 25 de janeiro de 2012

A princípio eu achava que o Willian não gostaria muito que nós fossemos ao batismo, ele andava muito distante da gente, e quando conversamos a respeito disso, ele respondeu dizendo que precisaria conversar com outras pessoas.
Isso me deixou apreensiva. Não sabia se os outros deixaria que fossemos ou não. O que eles nos diriam?
Logo veio a resposta. Voltamos a aldeia dois dias depois, e todos estavam mais abertos, até o Sr. José Fernandes nos cumprimentou e sentou ao nosso lado. Estava um clima bom. Quando o Willian veio conversar conosco, trouxe a resposta positiva, e também nos aconselhou a participar mais efetivamente, esquecendo a pesquisa e tudo o mais. Nos falou da importância desse ritual, e da importância de estarmos lá compartilhando desse ritual com eles.
No dia do batismo a aldeia recebeu muitos visitantes. A casa de reza estava cheia. Pessoas de outras aldeias, alguns não-índios. Muitas crianças, algumas dormindo em colchões, outras no colo de suas mães, mamando, outras no chão, prestando atenção nos discursos dos mais velhos.
Eu não entendia, eles falavam em guarani, mas acredito que estavam agradecendo a Nhanderu por aquele momento, e pela aldeia, pelo CECI, e pelas pessoas que os estava ajudando.
Nesse momento o Cheramoi José Fernandes estava dormindo, ou descansando, também em colchçao, esse atrás da fogueira, ao redor dele, muitas mulheres, que preparavam os cachimbos para os homens que estava sentados em outro espaço. Elas também alimentavam a fogueira e traziam água quente para o chimarrão.
No começo eu estava me sentindo estranha, com medo de que algumas pessoas não gostassem da nossa presença lá. Mas eles me trataram bem, umas 3 vezes pediram para que crianças se levantassem para eu me sentar. Algumas crinaças me olhavam, ouvi algumas falando “Juruá”, e eu não sabia se estavam falando de mim. Umas pegaram no meu cabelo,perguntaram meu nome, e uma me abraçou e depois sentou no meu colo, isso já foi me deixando mais a vontade, fui me sentindo mais bem-vinda.
Lá a fumaça era muita, de arder os olhos. Alguns momentos era preciso sair para sentir outro ar. Os homens primeiro. Depois as mulheres.
A fumaça era dos cachimbos, era da fogueira, das velas do “altar”. Havia uma espécie de altar, com penas, velas e água.
Como disse, no começo eu estava num estado de estranheza/receio. A cerimônia começou para mim, quando o Cheramoi apareceu ao centro, com seus colares e um cocar. Ali se instaurou outro ambiente, outra energia. Ali minhas besteiras todas se foram.
Ele disse: Todos de pé. E eu fazia parte de todos. Eu estava ali com eles.
Juntaram-se crianças, mulheres e homens na frente do altar e cantaram. Cantaram a força desse povo, que resiste ano após ano com essa cerimônia, que resiste dia-a-diacom seus costumes.
Nesse momento me veio a cabeça o que eles passaram e passam, e que estavam lá, festejando, cantando e dançando a sua cultura.
Imaginei a felicidade dos mais velhos ao ver as crianças participando, reproduzindo o que lhes foi ensinado, mostrando que estão vivos, e que podem continuar.
Aquele coro falou muito para mim.
Depois se espalhavam, e voltavam aos seus “postos”.
Defumaram o altar com a fumaça dos cachimbos, dançaram circulando o altar, ao som do mbaraca e da rabeca, de vez em quando um tambor, de vez em quando um tronco de madeira que batia no chão, marcando. Juntavam em coro novamente para cantar e dançar.
Quando pensei que não, já estavam em fila para o batismo. Uma mulher passava avisando que quem havia sido batizado por um tal homem que tinha morrido, precisaria se batizar de novo.
E eu lá. Sem saber o que aconteceria depois. Mas com vontade de participar, havia gente branca que já tinha se batizado. Como saberia o momento de participar?
Homens. Depois mulheres. Água da mão do avô em suas cabeças, e então, seus novos nomes. Para alguns o primeiro.
O nome vem do deus que o fortalece, é o nome que regerá sua vida. Esse é um momento muito importante.
Então, eis que a Rose vem falar com a Fábia, e eu sabia que ela estava chamando para ir para a fila. Senti que poderia ir também. Fomos.
Quando recebi a água, não entendi o que havia sido dito. Mas eu estava feliz.
Respeito por aquele homem, pelo que ele representa, e pelo povo daquela aldeia.
Depois descobri que tínhamos ido na hora ‘errada’. Fomos na hora que era apenas para quem é da aldeia. Mas o Sr. Fernandes nos tratou como se fossemos, então entendi que somos parte., que fomos aceitos, que somos bem-vindos.
Depois foi a hora de ir certo, para receber o nome: Ara.
Ara eu confirmei. Ara Miri. Céu Pequeno.
Depois descobri que Ara foi esposa do sol. Esse é meu nome guarni.
Tanta coisa já se passou na minha cabeça depois disso...O que significa, para eles, a gente ter se batizado?
Para mim, aumenta a responsabilidade. E claro, me sinto mais próxima, sinto vontade de conhecer mais ainda sobre essa cultura, sobre a minha cultura.




 

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