Depoimento | Meire Ramos

Meire Ramos



Ensaio – 05 de dezembro de 2011

Sobre ida à aldeia do Jaraguá

Hoje eu percebo que já estou me acostumando a vê-los do jeito que são e o modo de vida que escolheram.

A experiência tem sido transformadora. No começo não era muito fácil ver as crianças sujas, e suas bagunças. Eu não sabia também o que era permitido falar ou fazer. Claro que ainda temos muitos receios, mas já é bem mais tranqüilo. Acho que eles também estão se acostumando com a nossa presença.

Falar com aquelas pessoas é incrível, dá vontade de ouvi-las pra sempre. O Sr. Alísio é um fofo. Muito tranqüilo. Às vezes tenho a impressão de que ele se coloca num lugar abaixo dos brancos, mesmo sem querer. Suas falas, muitas vezes, são para provar que podem fazer as coisas que os brancos fazem, como dirigir e comer de garfo e faca.
Para mim, esse pensamento é estranho, pois é claro que eles podem fazer tudo que qualquer pessoa faz, entende?... Não tem o que provar.

Tenho vontade de debater, de falar: “Não, Sr. Alísio, não precisa pensar, nem se sentir assim, o Sr. é como qualquer outra pessoa”. Mas, ainda não tenho, nem sei se algum dia vou ter essa liberdade de falar o que penso, então, tenho que me colocar no meu lugar.

Ele é muito preocupado com as crianças e jovens da aldeia. Lá eles têm uma relação de cuidado muito diferente da nossa, em todos os sentidos. Parece que todas as crianças são filhas de todo mundo, então se cuida de todos. Mas ao mesmo tempo, não se vê broncas em ninguém, as crianças são muito independentes.

A última vez que fui lá (03/12), ouvi o Alcides, o moço que é videomaker e artesão, falar sobre seu filhinho, com um tom de preocupação, a criança pela fala do pai, parecia ser pequena, entre seus 8 e 10 anos. O pai disse: “A gente não segura mais ele, ele já tomou o mundo”. É uma preocupação de pai, mas uma liberdade de guarani.

Eles são muito observadores, e esse também tem sido meu papel: Observar.
Eles tem características muitos parecidas, são tímidos, às vezes até sisudos, observadores, e quietos a princípio. Mas depois de um tempo, podemos notar que são pessoas doces, divertidas...

Dia 03 foi o dia que mais me aproximei deles, pude conhecer o quintal da casa do Alcides. Ele conversou conosco fazendo artesanato, estava fazendo uma corja de madeira. Sua família estava lá fora, menos o filho. Quando chegamos, eles já estavam lá, e lá ficaram. Sua mulher sentada ao seu lado, um cachimbo numa cadeira, eles sentados no chão, ou caixotes próximos ao chão. Havia uma senhora albina, que não sei se era mãe ou sogra dele.

Ela conversava com uma moça também albina que estava grávida. Conversavam assim, né, entre aspas... a maioria do tempo ficavam mudas. Essa senhora cuidava de um pintinho entre as mãos, e cada vez que ela o colocava no chão, ele piava até que ela o pegasse de novo. Ela gostava do pintinho, e ria pra gente mostrando o que fazia. Eu gostei dela. A “conversa” com o Alcides só foi um pretexto para que pudéssemos observar de mais perto.

Na casa/quintal tinha muitos cachorros, e embora eles tenham muitos cachorros em toda a aldeia, e isso mostra que eles gostam de cachorros, mas a relação que o Alcides e sua esposa demonstraram foi a de “passa pra lá, cachorro”. Não sei se estavam preocupados se a gente não ia gostar deles lá, ou se eles é que não queriam eles por perto, ou se, essa é a forma de gostar de cachorros.

O Pedro falou uma vez que os cachorros é que cuidam das casas, e que os cachorros vêem o que a gente não vê. Como espíritos, sejam bons ou maus.

 

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